Fabricantes reduzem volumes e quantidades dos produtos, mas não abaixam os preços.
Sabão que não é mais de 1 kg ou achocolatado em pó com menos de 400 gramas, tudo praticamente pelo mesmo preço. Ao mesmo tempo que as cestas de compras dos consumidores diminuem, alguns produtos também estão encolhendo.
O fenômeno, conhecido como reduflação, não é novo, mas acelerou desde o último semestre de 2021 com a alta da inflação no Brasil. No ano passado, por exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado como indicador oficial da inflação do país, fechou em 10,06%. Neste ano, o acumulado dos últimos 12 meses (até abril) já é de 12,13%.
O economista e professor da SBS School, Ulysses Reis, explica que o fenômeno (conhecido como ‘shrinkflation’, em inglês) “se tornou uma forma de mascarar a inflação” a partir de 2019. No início do século XX, essa redução era utilizada como uma forma de se adequar aos perfis das famílias, que estavam diminuindo.
“Em vez de subir o preço do produto, as empresas estão usando uma estratégia para manter esse produto na prateleira dos mercados. O cliente tem uma impressão de que não houve um aumento grande de preço, mas o volume diminuiu, então, no fim das contas, houve um pequeno aumento no valor”, disse o economista Ulysses Reis.
Entre a lista dos produtos que sofreram esse encolhimento estão o de consumo habitual, como alimentos e itens de limpeza.
IMPACTO NO ORÇAMENTO FAMILIAR
Com as quantidades reduzidas e preços quase inalterados, a reduflação promove um impacto nos orçamentos familiares, especialmente agora com a crise alastrada e os altos valores de insumos básicos.
“É uma forma de a pessoa não perceber que ela está comprando, gastando o mesmo dinheiro e comprando menos. Não é uma coisa que a pessoa normalmente perceba, só percebe quando é muito atenta ou quando começa a perceber que algo que costumava comprar durava mais ou que o pacote de biscoito está mais fino, por exemplo”, destaca Reis.
No caso de um achocolatado em pó, antes comercializado com 400 gramas, por exemplo, a diminuição foi de 30 gramas e porção utilizada para o preparo de um copo de 200ml de leite indicada pelo fabricante é de 20 gramas, ou seja, a redução foi de pouco mais de um copo.
O QUE JUSTIFICAM AS REDUÇÕES?
De acordo com o economista, essas reduções que estão acontecendo atualmente estão relacionadas a dois fatores, principalmente: o quadro da inflação e a possível perda de faturamento dos fabricantes pela alta de preços.
“Algumas marcas estão com medo de sair da gôndola ou desaparecer dos mercados. O cliente começa a olhar o preço e fazer substituição por outras marcas, é uma compensação da inflação. É também uma estratégia, porque as empresas querem aumentar o faturamento e usam essa jogada”, explica.
REDUÇÃO É LEGAL?
Apesar de não ser uma estratégia benéfica ao consumidor, a redução dos volumes dos produtos não é ilegal no Brasil. No ano passado, o Ministério da Justiça atualizou as regras que regulam sobre essas mudanças com a publicação da Portaria nº 392/2021.
“A legislação prevê que a empresa que vai mudar uma embalagem tem que, obrigatoriamente, anunciar isso durante seis meses nas embalagens e tem que ser de forma muito evidente, que é o que não estão fazendo”, pontua Reis.
O advogado e especialista em Direito do Consumidor, Leonardo Leal, destaca ainda que o fornecedor deve assegurar aos consumidores informações prévias e precisas sobre o produto ou serviço, como composição, características, quantidade, preço, entre outros.
“Embora não haja precisa expressa nesse sentido no Código de Defesa do Consumidor (CDC), passou a ser considerada prática abusiva a redução do quantidade de produtos já comercializados no mercado, que o consumidor poderia ter o hábito de já adquirir, sem que esta redução fosse amplamente e ostensivamente informada ao mercado”, disse o advogado Leonardo Leal.
Em nota, o Ministério da Justiça, responsável pela plataforma Consumidor.gov, informou à reportagem que casos como esse “ainda estão em fase de averiguação preliminar, e não estamos falando sobre, para não divulgar as empresas que estamos investigando”.
O QUE FAZER CASO VERIFIQUE ALGUMA INFRAÇÃO?
Segundo Leal, cabe ao consumidor ficar atento às informações disponibilizadas pelos fornecedores, realizar pesquisas e verificações para garantia de alcance do melhor custo benefício.
“Caso encontre alguma infração ou deficiência de informação, poderá se utilizar dos canais de atendimento do fornecedor, visando esclarecimento, e também dos órgãos de defesa do consumidor, sendo possível tanto a instauração de procedimento administrativo em favor do consumidor, como a simples denúncia da prática abusiva”, orienta.
VEJA AS PRINCIPAIS REGRAS DA PORTARIA
- A empresa precisa informar a redução, o quanto foi reduzido em termos absolutos e percentuais, como era antes e como ficou, nas embalagens;
- As mudanças devem estar indicadas no rótulo da embalagem modificada, em local de fácil visualização, em caixa alta, fonte negrito, cor contrastante com o fundo do rótulo;
- Todas as informações devem constar nas embalagens pelo prazo mínimo de seis meses (a regra anterior, previa o prazo de três meses).
FIQUE ATENTO
O economista Ulysses Reis pontua algumas dicas para o consumidor ficar atento na hora das compras:
- Faça fotos dos produtos que você normalmente usa, porque você chegar no mercado e perceber essas alterações.
- Faça uma lista de compras. O dinheiro que a gente ganha hoje está muito difícil para não ter esse cuidado.
- Caso faça uso de óculos, não o esqueça na hora das compras, assim será possível ler todos os detalhes das embalagens.
- Vá com tempo para fazer as compras. Não faça correndo, pois assim os detalhes passam despercebidos.
- Geralmente, essas mudanças de preço acontecem nas compras habituais (leite, café, pão, produtos de limpeza, etc), então fique atento para essas eventuais alterações que podem impactar no orçamento.